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ONU denuncia uso excessivo da força, prisões arbitrárias e tortura na Venezuela

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Entrevistas conduzidas remotamente pela equipe de direitos humanos da ONU descrevem um cenário de uso disseminado, sistemático e excessivo da força e detenções arbitrárias contra manifestantes na Venezuela. As conclusões da equipe também indicam outras violações aos direitos humanos no país, incluindo buscas e apreensões violentas em residências, além de torturas e maus-tratos de pessoas detidas por participar de protestos.

Na ausência de uma resposta das autoridades venezuelanas ao pedido de acesso ao país, o alto-comissário das Nações Unidas para direitos humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, mobilizou uma equipe de oficiais para conduzir um monitoramento remoto sobre a situação de direitos humanos na Venezuela, realizado de 6 de junho a 31 de julho, a partir do Panamá.

A equipe realizou 135 entrevistas com vítimas e suas famílias, testemunhas, organizações da sociedade civil, jornalistas, advogados, médicos, socorristas e procuradoria-geral, e também recebeu informações por escrito do escritório da defensoria pública.

Testemunhas relataram como as forças de segurança dispararam bombas de gás lacrimogêneo a curta distância contra manifestantes contrários ao governo, e que a polícia usou bolas de gude, porcas e parafusos como munição. Segundo as fontes, as forças de segurança também recorreram ao uso da força letal contra os protestos.

Os relatos das testemunhas também sugerem que as forças de segurança, principalmente a Guarda Nacional, a Polícia Nacional e forças policiais locais, sistematicamente usaram força desproporcional para instilar medo, reprimir o dissenso e evitar que manifestantes se reunissem, protestassem ou chegassem a instituições públicas para apresentar petições. As autoridades governamentais raramente condenaram tais incidentes.

Em 31 de julho, o escritório da procuradoria-geral estava investigando a morte de 124 pessoas no contexto das manifestações. De acordo com os analistas da equipe de direitos humanos da ONU, as forças de segurança são supostamente responsáveis por ao menos 46 mortes, enquanto grupos armados pró-governo, conhecidos como “coletivos armados” são acusados pela morte de outras 27 pessoas.

Não está claro quem seriam os responsáveis pelas demais mortes. O escritório da procuradoria-geral também estava investigando ao menos 1.958 casos relacionados a pessoas feridas, apesar de admitir que o número de feridos deve ser consideravelmente mais alto. Informações coletadas pela equipe da ONU sugerem que coletivos armados frequentemente entram nos protestos com motocicletas, empunhando armas de fogo e atacando ou, em alguns casos, atirando nas pessoas.

Enquanto nenhum dado oficial está disponível sobre o número de prisões, estimativas confiáveis sugerem que entre 1º de abril, quando os protestos em massa começaram, e 31 de julho, mais de 5 mil pessoas foram detidas arbitrariamente. Mais de 1 mil permanecem detidas. Em diversos casos analisados pelo escritório de direitos humanos da ONU, houve relatos confiáveis de tratamento cruel, desumano e degradante perpetuado pelas forças de segurança, representando diversos casos de tortura.

As táticas utilizadas incluíram choques elétricos, espancamentos com o uso de capacetes e cassetetes contra detidos algemados, pendurar detidos pelos pulsos por longos períodos, sufocamento por gás e ameaças de assassinato — e, em alguns casos, ameaças de violência sexual — contra detidos e suas famílias.

“Desde que teve início a onda de manifestações em abril, houve um claro padrão de uso excessivo da força contra manifestantes. Diversas milhares de pessoas foram detidas arbitrariamente, muitas foram alvo de maus-tratos e mesmo tortura, enquanto diversas centenas foram levadas a tribunais militares e não civis”, disse Zeid. “E esses padrões não mostram sinais de estar diminuindo”.

“Essas violações ocorreram em meio ao colapso do Estado de direito na Venezuela, com constantes ataques do governo contra a Assembleia Nacional e a procuradoria-geral do país”, disse Zeid. “A responsabilidade pelas violações de direitos humanos que registramos recai nos mais altos níveis do governo”.

O alto-comissário para os direitos humanos da ONU disse ainda que a decisão da Assembleia Constituinte em 5 de agosto de demitir a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz era profundamente preocupante, e pediu que as autoridades garantam investigações independentes e efetivas das violações de direitos humanos envolvendo forças de segurança e coletivos armados. Ele pediu que as autoridades considerassem o chamado da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que pediu que o Estado tomasse medidas para garantir a proteção da ex-procuradora-geral.

O alto-comissário da ONU também expressou sérias preocupações com muitos relatos de buscas e apreensões violentas e ilegais em residências. As vítimas e testemunhas disseram à equipe das Nações Unidas que essas buscas foram conduzidas sem mandado, supostamente para prender manifestantes. Informações também sugerem que propriedades privadas foram destruídas durante essas ações.

Jornalistas e outros trabalhadores de mídia também indicaram que as forças de segurança têm realizado ações para evitar que eles registrem as manifestações. Jornalistas afirmaram terem sido atingidos por bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, apesar de terem se identificado como jornalistas. Foram detidos, ameaçados e tiveram seu equipamento apreendido em diversas ocasiões.

Alguns grupos de manifestantes também recorreram à violência, com ataques contra oficiais das forças de segurança. Oito oficiais foram mortos no contexto das manifestações.

O alto-comissário da ONU pediu que as autoridades venezuelanas cessem imediatamente o uso excessivo da força contra manifestantes, interrompam as detenções arbitrárias e libertem os detidos. Zeid lembrou as autoridades sobre a proibição absoluta do uso de tortura nas leis de direitos humanos internacionais. Ele também pediu o fim do uso da Justiça militar para o julgamento de civis.

“Peço que todas as partes trabalhem rumo a uma solução para as crescentes tensões no país, para a renúncia do uso da violência e para tomar passos para um diálogo político significativo”, disse Zeid.

O relatório completo das conclusões da equipe da ONU está previsto para ser divulgado no fim de agosto.

Secretário-geral diz acompanhar situação

Em comunicado divulgado nesta terça-feira (8) por seu porta-voz, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou estar acompanhando a situação na Venezuela e estar preocupado com a possibilidade de os recentes eventos levarem a uma escalada das tensões e distanciarem o país de uma solução pacífica.

Segundo seu porta-voz, Guterres está convencido de que a crise venezuelana não poderá ser resolvida por meio da imposição de medidas unilaterais, requerendo uma solução política baseada no diálogo e no compromisso.

“Nesse momento crítico para o país, o secretário-geral mais uma vez pede que o governo venezuelano e a oposição relancem negociações em benefício da população do país. Ele apoia fortemente os esforços atuais de facilitadores internacionais e regionais, que estão buscando contribuir para esse fim”, concluiu o comunicado do porta-voz.

 

AFP

Twitter: @estrelaguianews

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