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Lei publicada viola competências do Suas

A Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) 8.742/93 é um dos mais importantes instrumentos normativos no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Suas), tanto em perspectiva política quanto técnica. Traz em seu texto a essência de uma proposta de gestão democrática e participativa, bem como descentralização político-administrativa entre os entes federados.

Explicando mais, em seu escopo de competências aponta as instâncias de pactuação e deliberação como mecanismos de participação, onde gestores municipais, estaduais e representantes da sociedade civil e governo federal debatem temas necessários à melhoria da gestão da política de assistência social, bem como a garantia de acesso aos serviços pela população. Ou seja, é cultural e ético fortalecer esses espaços como exercício da democracia no Suas.

Desta forma, toda e qualquer pauta referente à política de assistência social é debatida nos espaços de pactuação e deliberação. São eles, minimamente: Comissão Intergestora Bipartite (CIB), Comissão Intergestora Tripartite (CIT), Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Inclusive como forma de garantir o Pacto Federativo no Suas, prezando pela autonomia municipal.

Inconstitucionalidade
Ocorre que, com a publicação da Lei 13.714/18, o governo federal ignora esses espaços e, de forma questionável, trata de assuntos completamente distintos para alterar responsabilidades da política de assistência social em detrimento de outra política pública, a de saúde. A normativa em questão inicia seu texto falando da padronização da identidade visual do Suas, mas em seguida muda drasticamente de tema e aponta novas competências para o Suas, entrelaçadas à política de saúde. Atribui, ainda, à Assistência Social a responsabilidade de categorizar e selecionar quem terá acesso à medicamentos e outros produtos da saúde.

É sabido que a partir da Constituição de 1988 e da Lei 8.080/90, a universalidade de acesso à Saúde em todos os níveis de assistência, foi instituída como um princípio base do SUS. A partir desse entendimento, as alterações propostas pela lei tornam-se inconstitucionais pois, além de tentar alterar esse princípio por normativa infraconstitucional, interfere no exercício de outra Política Pública.

Outro agravante é a vinculação de um direito universal a uma condição social, quando caracteriza o acesso aos medicamentos por meio de uma condição de vulnerabilidade e risco social, essa ação claramente afunila e seleciona o acesso a um direito social básico.

Política nacional
Os princípios, assim como o acesso a medicamentos e insumos, estão previstos na Política Nacional de Assistência Farmacêutica – Resolução CNS 388/ 2004 – que resulta do processo histórico, permeado pela participação social, de construção das políticas específicas na Saúde. Da mesma forma, a organização e financiamento tripartite dessa da Política universal vem sendo normatizada por instrumentos como Decreto 7508/11 e as Portarias 2001/17 e 1555/13. Quanto à garantia do acesso à assistência farmacêutica, o mesmo se dá na Rede de Saúde local: munido com seu cartão SUS, os munícipes acessam os serviços de saúde que prescrevem e dispensam medicamentos, de forma universal.

Outra situação que a lei parece desconhecer é que o cuidado em saúde também se organiza por grupos com determinadas características que, de forma alguma guardam relação com a condição de vulnerabilidade das pessoas. Um exemplo disso é a dispensa de medicamentos a hipertensos, diabéticos, tabagistas, pessoas com algum tipo de sofrimento bio-psíquico e pessoas que vivem com HIV. O direito ao acesso desses e outros grupos à dispensa de medicamentos é uma questão de Saúde Pública e, de certa forma, a norma tenta sobrepor-se aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que indicam os caminhos a percorrer na promoção e cuidado da saúde.

É necessário ressaltar que, assim como o SUS visa garantir o acesso à Saúde de forma ampla, a Constituição Federal afirma por meio do art. 203 que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, logo ambas as políticas presam pela garantia do acesso a direitos básicos, sem distinção de graus de vulnerabilidade.

Modalidades
Em relação aos aspectos técnicos, desde 2010, o CNAS esclareceu em âmbito nacional a oferta de Benefícios Eventuais no âmbito da Política de Assistência Social em relação à Política de Saúde. Isso se deu por meio da Resolução 39/2010, que estabelece em seu primeiro parágrafo que a oferta de medicamentos, órtese, prótese, óculos, cadeiras de rodas, por exemplo, não são provisões da política de assistência social.

Antes da edição dessa Resolução o Decreto 6.307/2007 já afirmava, no artigo novo, que as provisões relativas a programas, projetos, serviços e benefícios diretamente vinculados ao campo da saúde, educação, integração nacional e das demais políticas setoriais não se incluem na modalidade de benefícios eventuais da assistência social.

Sendo assim, é fato que a Lei 13.714/18 está desalinhada das demais normativas que organizam a operacionalização da política de assistência social, além de ferir o princípio da universalidade do acesso, atropela e ignora o debate com as instâncias de pactuação do Suas e do SUS, ferindo inclusive a autonomia municipal no âmbito desses Sistemas, quando já havia se estabelecido há mais de 10 anos o conceito de benefício eventual.

Precedente
O benefício é concedido pelo Município à população, única e exclusivamente por meio de recursos próprios, logo a atribuição de mais uma responsabilidade vai sem dúvida onerar financeiramente os Municípios, bem como abre precedente para um possível aumento em casos de judicialização no Suas.

Esse tipo de ação aponta claramente a ausência de democracia na construção das políticas sociais no nível central, deixando de lado toda e qualquer participação social na tomada de decisões que impactam diretamente na gestão e oferta dos serviços públicos, em especial dos da Assistência Social.

Nesse sentido a Confederação Nacional de Municípios (CNM) solicita aos gestores e técnicos municipais dos Sistemas Únicos de Assistência Social e de Saúde que por meio das instâncias de pactuação, se posicionem e apontem as consequências da legislação em questão.

 

Agência CNM

Twitter: @estrelaguianews

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