Cristhiane Brandão
A grande transformação geracional pela qual o mundo está passando tem impactado na longevidade dos negócios, sobretudo entre famílias empresárias. De um lado, temos pessoas nascidas antes de 1980 ou “geração raiz” que ocupa a maior parte dos cargos de liderança, e do outro a geração considerada “nutella” que já concentra cerca de 30% da população do Brasil e 50% da força de trabalho atual.
Os números da pesquisa Millennials – Desvendando os hábitos da Geração Y no Brasil (Itaú BBA, 2019) – apontam ainda que até 2030 a nova geração representará mais de 70% da força de trabalho. Esse assunto é tão sério que foi tema de uma pesquisa da Cambridge Family Enterprise Group (CFEG), que acompanhou como as quatro gerações atuais abordam vida e trabalho e qual o reflexo disso nas empresas familiares.
“Estamos particularmente preocupados com a confusão e o conflito que podem surgir quando múltiplas gerações – especialmente da mesma família – se reúnem à mesa de conferências. Nossa pesquisa visa compreender melhor como as diferenças geracionais podem ser transformadas em vantagens e oportunidades”, destaca um trecho do artigo dos professores John A. Davis e Jennifer M. Silva.
São descritos quatro grupos geracionais principais: Baby Boomers (1946-1964), Geração X (1965-1980), Geração Y ou Millennial (1981-1996) e Geração Z (1997-2010). Com o grande desenvolvimento da tecnologia e da informação no mundo, as mudanças têm sido cada vez mais rápidas desde os “Baby Boomers”, intensificando-se com os Millennials, que são os netos dessas famílias e os jovens trabalhadores.
Não são poucas as diferenças entre eles, enquanto os Boomers, por exemplo, aceitam as novas tecnologias como uma ferramenta necessária para o trabalho e a vida, os Millennials enxergam nela a promessa de uma vida melhor. Além disso, os mais jovens priorizam itens como independência, flexibilidade e autoexpressão, e por isso não veem problema em mudar de emprego com frequência para obter o que almejam.
Por causa dessa busca, os Millennials adquiriram um impulso empreendedor maior, o que pode se revelar como algo muito bom para as famílias que desejam diversificar no mundo dos negócios. Para integrá-los, o ideal é pensar em oportunidades, tanto dentro quando fora do negócio principal. No entanto, se estiverem no negócio principal, vai ser importante se preparar para resolver os conflitos que poderão surgir devido à dificuldade deles em se adaptarem às regras.
Conforme descreve o artigo publicado pela Cambridge Family Enterprise Group, talvez o maior desafio no trabalho com essa geração seja a adaptação e a gestão dos seus hábitos de trabalho, já que grande parte dela relaciona produtividade a um espaço de humor e diversão que ainda não é comum no mundo corporativo. Em seu livro Invisible: How Millennials are Changing the Way We Sell, T. Scott Gross afirma que “a maioria dos Millennials diz que as gerações mais velhas têm uma melhor ética de trabalho”.
Será que a ética de trabalho da geração Y é realmente mais fraca? Ou apenas difere dos Boomers, pois promove maneiras mais inovadoras e criativas no mundo corporativo? Muito provavelmente a percepção das gerações mais jovens seja diferente justamente em razão da maior incerteza econômica ao seu redor.
Ao contrário do que diziam pais e avós, no cenário atual globalizado tudo muda o tempo todo, inclusive algumas profissões tendem a desaparecer nos próximos anos. Portanto, crenças que ensinavam aos jovens para estudar e ter uma profissão, que assim teriam um emprego garantido, ou que tendo um emprego, conseguiriam ter uma vida confortável, não faz mais sentido. Não há mais garantias.
Outro ponto relatado pelos Millennials que vale a reflexão é sobre a falta de oportunidades oferecidas pelas organizações, que diante de um mercado altamente competitivo, cada vez mais modernizado e tecnológico, infelizmente vêm pecando ao não demonstrar lealdade com seus colaboradores. Tudo isso gera nos jovens o sentimento de que é mais seguro investir em si próprios do que nas organizações.
“Eles nos dizem que não estão interessados em trabalhar em organizações estabelecidas ou em ter carreiras convencionais. Nas famílias empresárias, também ouvimos discussões muito mais sérias sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional – um tema levantado pelos Xs e pelos Millennials, que concordam que o trabalho não deve ser o foco principal da vida”, diz este outro trecho do artigo da CFEG.
Apesar das diferenças, há um campo comum entre eles. Ambos identificam a importância do propósito social e ambiental por parte de suas empresas familiares. Porém, enquanto Boomers investem na interação face a face, os Millennials preferem usar as redes sociais para transmitir ideias e agir. Por que sair de casa para interagir com a comunidade quando a tecnologia proporciona mais impacto?
Como pode observar, não existe uma solução definitiva ou receita para equacionar os conflitos entre todos esses profissionais de diferentes idades, que possuem diferentes motivações e inteligências múltiplas. Com o aumento na expectativa de vida da população e a prorrogação da aposentadoria, que já não acontece aos 60 anos, uma coisa é certa, somos hoje uma sociedade multigeracional, uma economia multigeracional, então, precisamos parar de apontar defeitos uns aos outros, ou seja, nem geração “raiz”, nem geração “nutella”.
Todos nós, de diferentes gerações, somos importantes no processo de transformação pelo qual o mundo está passando e precisamos aprender a trabalhar juntos, cada um com suas habilidades, para encontrar soluções para os diversos problemas globais, sejam de natureza social, ambiental ou econômica. Chegamos a um ponto crucial em que o equilíbrio só vai ser encontrado a partir de valores pautados na ética universal e na cooperação! Avante!
Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.
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